sexta-feira, 18 de julho de 2014

O poder das orquídeas...


N
aquela época, o banho em demasia era considerado prejudicial à saúde. E “banhar-se em excesso” significava dizer mais de duas ou três vezes AO ANO! E como meus pais, em especial mamma, eram muito supersticiosos banhávamos apenas uma vez a cada 365 dias, lembrando-me deste detalhe não consigo digerir o porquê de acreditarmos em tamanha baboseira, mas era assim que as coisas funcionavam.
O pior de tudo era que os banhos eram em uma única tina, cheia de água quente. Primeiro vinha o chefe da família, que tinha o privilégio de banhar-se em água limpa. Depois, sem trocar a água, era a vez dos outros homens da casa, por ordem de nascimento. Depois, vinham as mulheres, também conforme a idade e por fim, as crianças e o bebês.
              Na minha casa éramos quatro, mas de qualquer sorte, ou azar, eu sempre ficava por último quando a água já estava fria e cheia de fezes humanas, de animais, terra, musgo, gordura corporal, suor, sangue seco e todo o tipo de sujeira acumulada por mais de um ano. Vida difícil não acha?
Era véspera do tão esperado casamento arranjado de meu querido irmão e nosso banho anual foi adiantado em mais de dois meses, nossa casa estava uma loucura, os criados corriam de um lado para o outro e o clima não era de alegria estava mais tenso que no dia em que Fausto foi iniciado na cavalaria do reino.
- Tudo deve estar em perfeita harmonia.
Gritava mamãe como uma louca aos quatro ventos, ela estava com os nervos a flor da pele e estressava todos os que chegavam perto dela.
- Pare de choramingar, você só irá descansar quando eu achar que tudo está perfeito – reprendia uma criada que estava fazendo os arranjos florais.
Na hora do jantar nos mantivemos em silêncio, era perceptível a apreensão em todos, Fausto estava com o olhar angustiado e distante, foi o primeiro a se retirar da mesa indo direto para o jardim, preocupada também me retirei e o segui.
Ele estava observando a ornamentação para a cerimônia. Como era de costume entre os nobres a celebração da união aconteceria ali, no nosso quintal, onde Fausto e eu passamos toda a nossa infância brincando. Estava todo ornamentado com flores das mais diversas espécies que foram encomendadas do reino de Giovanni Vittorioso, principado ao sul da Itália atual, todas em uma perfeita harmonia de cores que era perceptível mesmo sob a luz do luar. No altar havia um arco recoberto por rosas vermelhas e dele saía um tapete de veludo verde que acabava no portão de entrada e por todos os lados podiam ser vistos alabastros ostentando os brasões das duas famílias simbolizando a união que estava próxima.
Olhei tudo aquilo maravilhada e senti certa pontada de inveja, como eu gostaria de estar no lugar de Jullyanne e casar-me com um cavaleiro honrado e temido como Fausto, não que ser temido seja uma grande qualidade, mas seu poder daqui a alguns anos se tornará imenso, já que ele é o braço direito do nosso rei e sinto que seu nome percorrerá por todos os principados próximos e distantes, “ah Jully, faça este homem feliz!”. Devaneei.
- O que quer?
Perguntou Fausto, trazendo-me de volta terra.
- Vim trazer-te um mimo. – Sorri para ele.
Com um sorriso amarelo Fausto me sorriu de volta.
- Vindo de você não pode ser boa coisa. – Brincou.
Mostrei-lhe a língua e continuei com tom de sabichona.
- Você sabia, adorado irmão, que por toda a Europa a perfumaria está adormecida, pois os perfumes são considerados profanos sendo estes apenas reservados ao culto?
Fausto não esboçou qualquer reação, então continuei.
- Pela sua cara de paisagem suponho que seja sim a resposta. Mas o que você não sabia é que em nosso mosteiro o novo padre, monsenhor Lucato, mantém uma farmácia e lá ele manipula ervas aromáticas.
Estendi a mão que continha um pequeno frasco na palma, entreguei-o a Fausto que o pegou com desconfiança.
- É um perfume de orquídeas negras. – Afirmei.
- E para que diabos isso me serve? – Indagou-me.
- Ouvi dizer que tem propriedades afrodisíacas, dê para Jullyanne usar amanhã à noite, talvez assim a paixão desperte e desta forma tudo será mais agradável para ambos, já que você anda tão nervoso com a situação...
Fausto interrompeu minha tagarelice dando-me as costas, apenas assentiu em agradecimento e guardou o delicado vidrinho no bolso.


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