N
|
aquela
época, o banho em demasia era considerado prejudicial à saúde. E “banhar-se em
excesso” significava dizer mais de duas ou três vezes AO ANO! E como meus pais,
em especial mamma, eram muito
supersticiosos banhávamos apenas uma vez a cada 365 dias, lembrando-me deste
detalhe não consigo digerir o porquê de acreditarmos em tamanha baboseira, mas
era assim que as coisas funcionavam.
O pior de tudo era que os banhos eram em
uma única tina, cheia de água quente. Primeiro vinha o chefe da família, que
tinha o privilégio de banhar-se em água limpa. Depois, sem trocar a água, era a
vez dos outros homens da casa, por ordem de nascimento. Depois, vinham as
mulheres, também conforme a idade e por fim, as crianças e o bebês.
Na minha casa éramos quatro, mas de
qualquer sorte, ou azar, eu sempre ficava por último quando a água já estava
fria e cheia de fezes humanas, de animais, terra, musgo, gordura corporal, suor,
sangue seco e todo o tipo de sujeira acumulada por mais de um ano. Vida difícil
não acha?
Era véspera do tão esperado casamento
arranjado de meu querido irmão e nosso banho anual foi adiantado em mais de
dois meses, nossa casa estava uma loucura, os criados corriam de um lado para o
outro e o clima não era de alegria estava mais tenso que no dia em que Fausto
foi iniciado na cavalaria do reino.
- Tudo deve estar em perfeita harmonia.
Gritava mamãe como uma louca aos quatro
ventos, ela estava com os nervos a flor da pele e estressava todos os que
chegavam perto dela.
- Pare de choramingar, você só irá
descansar quando eu achar que tudo está perfeito – reprendia uma criada que estava
fazendo os arranjos florais.
Na hora do jantar nos mantivemos em
silêncio, era perceptível a apreensão em todos, Fausto estava com o olhar
angustiado e distante, foi o primeiro a se retirar da mesa indo direto para o
jardim, preocupada também me retirei e o segui.
Ele estava observando a ornamentação
para a cerimônia. Como era de costume entre os nobres a celebração da união
aconteceria ali, no nosso quintal, onde Fausto e eu passamos toda a nossa
infância brincando. Estava todo ornamentado com flores das mais diversas
espécies que foram encomendadas do reino de Giovanni Vittorioso, principado ao
sul da Itália atual, todas em uma perfeita harmonia de cores que era
perceptível mesmo sob a luz do luar. No altar havia um arco recoberto por rosas
vermelhas e dele saía um tapete de veludo verde que acabava no portão de
entrada e por todos os lados podiam ser vistos alabastros ostentando os brasões
das duas famílias simbolizando a união que estava próxima.
Olhei tudo aquilo maravilhada e senti
certa pontada de inveja, como eu gostaria de estar no lugar de Jullyanne e
casar-me com um cavaleiro honrado e temido como Fausto, não que ser temido seja
uma grande qualidade, mas seu poder daqui a alguns anos se tornará imenso, já
que ele é o braço direito do nosso rei e sinto que seu nome percorrerá por
todos os principados próximos e distantes, “ah Jully, faça este homem feliz!”.
Devaneei.
- O que quer?
Perguntou Fausto, trazendo-me de volta
terra.
- Vim trazer-te um mimo. – Sorri para
ele.
Com um sorriso amarelo Fausto me sorriu
de volta.
- Vindo de você não pode ser boa coisa.
– Brincou.
Mostrei-lhe a língua e continuei com tom
de sabichona.
- Você sabia, adorado irmão, que por
toda a Europa a perfumaria está adormecida, pois os perfumes são considerados
profanos sendo estes apenas reservados ao culto?
Fausto não esboçou qualquer reação, então
continuei.
- Pela sua cara de paisagem suponho que
seja sim a resposta. Mas o que você não sabia é que em nosso mosteiro o novo
padre, monsenhor Lucato, mantém uma farmácia e lá ele manipula ervas
aromáticas.
Estendi a mão que continha um pequeno
frasco na palma, entreguei-o a Fausto que o pegou com desconfiança.
- É um perfume de orquídeas negras. –
Afirmei.
- E para que diabos isso me serve? –
Indagou-me.
- Ouvi dizer que tem propriedades
afrodisíacas, dê para Jullyanne usar amanhã à noite, talvez assim a paixão
desperte e desta forma tudo será mais agradável para ambos, já que você anda
tão nervoso com a situação...
Fausto interrompeu minha tagarelice dando-me
as costas, apenas assentiu em agradecimento e guardou o delicado vidrinho no bolso.
Nenhum comentário:
Postar um comentário