terça-feira, 4 de setembro de 2012

Prefácio

 Éric Sturdza & Sophie West 


T
alvez seja tarde para reconhecer o quanto fui feliz, mas nunca será tarde, por mais distante que se torne, relembrar os momentos que ficaram em minha memória. Gravarei nessas páginas finitas a prova de que o amor entre dois seres pode ser perene. Registrarei todos os fatos que selaram na minha alma eternamente o nome do meu amado. 
Vou começar a descrever um pouco antes de conhecê-lo, não que minha vida tivesse sentido antes, mas esses dias que prescindiram nosso encontro foram importantes para que eu passasse a existir, a me sentir viva.
A história do meu renascimento causava arrepios em quem a ouvia e mamma nunca tocara com conforto no assunto. Parecia que escondia algo toda vez que eu a questionava sobre isso. 
Era 18 de setembro de 1454, uma segunda-feira de manhã. O tempo havia virado drasticamente na véspera, posto que grossas nuvens enegreceram o firmamento e o sol, intimidado, escondeu-se nas cortinas negras que pairavam sobre a terra. Nesse cenário a chuva reinava soberana, contudo o vento se apresentou para que ambos fizessem um dueto. Ele, para impressioná-la, fez o seu trabalho com violência e maestria e os dois juntos pareciam um casal apaixonado tamanha a intensidade que se entrelaçavam. A chuva se entregava ao sabor do vento, e esse, em resposta, cantava hinos em homenagem a sua amada.
A tempestade só piorava, agitava a casa com força e assustava os animais no celeiro. Bichos peçonhentos caiam do telhado e trovões cortavam a abóbada celeste como se lançassem uma maldição sobre a terra. Parecia ser noite em pleno dia!O parto? bom.... era demasiadamente arriscando, tendo em vista que a única pessoa adulta na casa naquele momento, além da mamma... sim, era o papà. Assim, minha vida e a da senhora Innocenza Mansotti estava nas mãos do digníssimo signore barão Gennaro Masotti, que devo ressalvar, jamais havia ajudado em parto algum, nem de seus animais, quem dirá de uma pessoa. Mas a ocasião não exigia pompa, não exigia delicadeza, e, pelo modo desesperador que o tempo escoava, destreza e conhecimento era dispensáveis também.
Lembrando das histórias que eram contadas em tom de brincadeira, efetivamente, nunca soube como um homem broco e sem a menor habilidade conseguiu, aparentemente sozinho, intervir com sucesso no desprenhar de um ser humano. Quando questionados meus pais se entreolhavam e buscavam mudar rapidamente de assunto, alegando que donzelas não deveriam se ocupar com isso.
“Parecia que os anjos do apocalipse já haviam anunciado os fins dos tempos e desceram à terra para iniciar o juízo final” dizia meu irmão com certa ironia sobre o ocorrido. O honrado cavaleiro, Fausto Masotti, >>que na época só tinha três anos<<, lembrava com certo desdém do fatídico dia. 
Apesar de todo o enredo fantasmagórico que envolveu meu nascimento, nunca me senti estranha em relação a isso. Mas, em uma certa medida, me sentia rejeitada pelos meus pais e os criados me olhavam com medo. Isso sempre me foi perceptível, uma vez que ouvia rumores sobre eu aparentar ter um pacto de sangue com o demônio e por isso tinha olhos extremamente negros. Dessa forma, cresci temerosa dos sobrepujantes castigos da Igreja Católica.
Ao chegar na puberdade passei a ter sonhos aterradores. Eram fragmentos de coisas, pessoas e lugares que jamais presenciei. Mas eu sabia que não poderia contar a ninguém o que me atormentava ou seria enforcada e depois queimada como faziam com pessoas que se afastavam das rigorosas regras divinas.
A minha angústia silenciosa só me deixou ainda mais longe de descobrir minha essência. Mas isso não impediu que eu caminhasse de olhos vendados para o penhasco das verdades mais dolorosas sobre minha existência. O que tornou toda dor suportável e angustiantemente deliciosa, fora a chegada de um enigmático fidalgo do clã Sturdza ao recatado vilarejo de San Francesco.

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